A reforma na visão de um leigo

Por Carlos Fernando Huf, jornalista e membro da IELB em Guarapuava, PR.

image “Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim”. (João, 14.6) Estas palavras, do próprio Jesus Cristo, formam a síntese da Reforma Luterana. Fora delas não há salvação. Radical? Sim, tão radical quanto cada uma das palavras que o Filho de Deus pronunciou, enquanto esteve entre nós. Daí o lema da Reforma: “O justo viverá por fé”. (Romanos, 1.17) Simples assim.

A Reforma da Igreja Cristã, para a qual Deus usou o monge Martinho Lutero como instrumento, há quase quinhentos anos, não é muito bem compreendida hoje nem por alguns, dos poucos, continuadores que ainda não se desviaram das suas diretrizes básicas. Apesar disso, os muitos desvios que ela vem sofrendo não justificam a idéia de que se esteja precisando de uma “reforma dentro da Reforma”. Pelo simples motivo de que o seu cerne, a síntese dos enunciados bíblicos básicos por ela definidos e organizados em doutrina, continuam puros e inalterados nas igrejas evangélicas autênticas contemporâneas, que incluem as que assumem o nome de luteranas. Basta que, como enfatizou também o próprio Cristo, “quem tiver ouvidos para ouvir, ouça”.

Quando, em 31 de outubro, se comemora mais um ano da Reforma, é ocioso repetir a sua história factual. Preferimos optar por um enfoque que transcende a mera cronologia histórica, e o impacto social, político e cultural que ela provocou no mundo contemporâneo.

Morto, ressuscitado, e elevado ao céu na presença dos discípulos, depois de se deixar ver em várias oportunidades, e diante de várias outras pessoas, para não dar motivo a dúvidas, Jesus incumbiu os antigos e novos discípulos, como o apóstolo Paulo, de divulgar a sua obra de salvação do homem - não para esta vida, mas para a vida eterna.

O resto é conhecido. A força do Evangelho do Cristo crucificado em favor da humanidade foi avassaladora, rompeu fronteiras, chegou ao centro do mundo da época. E nem as mais atrozes perseguições impediram que tomasse conta dos corações. O próprio poder de Roma se curvou - e aí começaram os desvios.

Ao longo dos séculos, a força da fé cristã, pura e primitiva, foi sendo cooptada, desvirtuada, seus ensinamentos alterados, suas bases solapadas e escondidas do povo - o poder da fé manipulado em favor do poder temporal.

Surgiu o papado, levando à fusão, ou confusão, pelos quase dois mil anos seguintes, entre igreja e estado, quando não ao absoluto autoritarismo da igreja sobre os estados laicos, como ocorria justamente na época da Reforma. Aí se manifestava, mais uma vez, aquilo contra o que Cristo alertara, com todas as letras: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.

Os acréscimos de doutrinas inventadas por homens, necessários à ganância do poder religioso/temporal, se multiplicaram, e por isso a Bíblia teve que ser escondida do povo. A propósito, é bom lembrar Apocalipse, 22.18: “Eu, a todo aquele que ouve as palavras das profecias deste livro, testifico: se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos escritos neste livro; e se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, da cidade santa e das coisas que se acham escritas neste livro”.

E os exemplos do mal que o consórcio igreja/estado causa ao homem são incontáveis. A Inquisição do passado e os homens-bomba do presente são apenas os mais visíveis e chocantes. Mas existem outros, muito mais sutis e destruidores, não apenas de corpos, mas de almas, que se perpetuam e crescem até hoje.

Com a abertura, pela ação de Lutero, da Bíblia ao povo, fez-se necessário produzir uma síntese dela, para evitar aquilo que hoje prolifera no mundo: o uso de frases soltas, fora do contexto, para justificar as mais absurdas interpretações, ao bel-prazer de aproveitadores. O mais sintético desses resumos das verdades bíblicas básicas foi compilado por Lutero em 1529, no Catecismo Menor.

Em 1530, o leigo Felipe Melanchton elaborou outro, mais detalhado, a Confissão de Augsburgo, aprovado pelos reformadores liderados por Lutero. Deste, vale citar a síntese do artigo XXI: “Do culto aos santos os nossos ensinam que devemos lembrar-nos deles, para fortalecer a nossa fé ao vermos como receberam graça e foram ajudados pela fé; (...) Entretanto, não se pode provar pela Escritura que se devem invocar os santos ou procurar auxílio junto a eles, porquanto há um só reconciliador e mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo (1 Tim, 2), o qual é o único Salvador, o único Sumo Sacerdote, propiciatório e Advogado diante de Deus. (Romanos, 8)

A parte da igreja que resistiu à Reforma continuou na sua antiga e conhecida trajetória, até os dias de hoje. O título de um artigo recente do jornalista Orlando Eller, de Vitória-ES, dispensa comentários: “Tetzel não morreu” (para quem não sabe, Tetzel foi o monge que comandou a venda das indulgências com que o papa Leão X construiu a Basílica de São Pedro).

As indulgências, que “vendiam” um lugar no céu, não só permanecem nos dias de hoje, disfarçadas em diferentes formas, como foram copiadas também pelos falsos herdeiros da Reforma. E em vez de um lugar no céu prometem milagres aqui na terra mesmo. Chegam a marcar hora para Deus comparecer. Alguns até “exigem” de Deus que devolva, multiplicados, os dízimos e os bens entregues ante os altares. Há tempos, um deles, conhecido milionário das comunicações, em verdadeiro transe melodramático, num desses “shows da fé” que infestam a TV, afirmava que “você deve exigir de Deus que lhe dê prosperidade. Deus prometeu, e Ele tem obrigação de lhe dar!”

A todos esses, a promessa de Jesus também é clara, também é radical, quando Ele fala do Juízo Final, a que todos compareceremos: “Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade”. (Mateus, 7.22,23)

Aos seguidores desses estelionatários da fé seria muito útil ver um filme, do gênero comédia mas com uma mensagem dramática, com o ator Steve Martin, e o sugestivo título de “Fé de mais não cheira bem”, mostrando os bastidores desses shows de prestidigitação e lavagem cerebral.

Outra coisa que Jesus sabia, e que o entristecia, é quão poucos o aceitariam de verdade. A história da Humanidade é a história dos desvios do verdadeiro Deus, e a busca incessante por deuses falsos, que prometem benesses nesta vida, ou atalhos como a reencarnação, que comodamente evitem a opção céu x inferno, claramente definida no Cristianismo. Isso explica porque os falsos profetas de hoje e de sempre enchem templos, ginásios e campos de futebol, com hordas de seguidores, ávidos de curas e de bens materiais, enquanto as chamadas igrejas tradicionais vivem às moscas. Falsos profetas que ficam milionários, falsos representantes de Deus que se fazem adorar como se fossem o próprio Deus, trilhando todos, juntamente com seus seguidores/vítimas, o caminho da condenação eterna.

Por isso, Jesus prometeu, ao lembrar o Apocalipse: “Não tivessem aqueles dias sido abreviados, ninguém seria salvo; mas, por causa dos escolhidos, tais dias serão abreviados.” (Mateus, 24.22)

As bases do verdadeiro Cristianismo continuam aí, em toda a sua pureza e radicalidade, à disposição de quem tiver disposição. Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça, ou olhos para ver, que veja. Antes que se completem aqueles dias dos quais Cristo diz que serão abreviados.

Fonte: Rede Sul de Notícias

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